quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Explicando a crise

Entendendo a complexidade da crise sub-prime americana no Brasil:

Entender a crise não é fácil, mas permitam-me oferecer um similar nacional.

É assim: o seu Biu tem um bar, na Vila Noviórqui, e decide que vai vender cerveja "na caderneta" aos seus leais fregueses, todos bêbados, quase todos desempregados. (*1)

Porque decideu vender a crédito, ele pode aumentar um pouquinho o preço da loura. A diferença é o sobrepreço que os pinguços pagam pelo crédito (taxa de risco, com dizem alguns). Bom negócio, não? (*2)

O gerente do banco do seu Biu, um ousado administrador formado em curso de emibiêi, convence que ele deve ampliar o seu bar, afinal as vendas estão indo muito bem!
O bar é alugado, e o seu Biu só tem um fusca 78. Então, o gerente decide que as cadernetas das dívidas do bar constituem, afinal, um "ativo recebível", e começa a adiantar dinheiro ao estabelecimento tendo o pindura dos pinguços como garantia.

Uns seis zécutivos de bancos, mais adiante, decidem captar dinheiro no mercado e, como garantia, apresentam os tais recebíveis do banco, os transformando em CDB, CDO, CCD, UTI, OVNI, SOS ou qualquer outro acrônimo financeiro que ninguém sabe exatamente o que quer dizer.
Ou seja, as cadernetas dos pinguço "lastreiam" os títulos que começam a circular no mercado.

Esses adicionais instrumentos financeiros alavancam o mercado de capitais e conduzem a que se façam operações estruturadas de derivativos, na BM&F, cujo lastro inicial todo mundo desconhece (as tais cadernetas do seu Biu). (*3)

Esses derivativos estão sendo negociadas como se fossem títulos sérios, com fortes garantias reais, nos mercados de 73 países.
Até que alguém descobre que os pinguços da Vila Noviórqui não têm dinheiro para pagar as contas, e o Bar do seu Biu vai à falência. E toda a cadeia se desespera. (*4)

Mais um detalhe para enriquecer a história: antes de tudo chegar aonde chegou, outros engravatados metidos a professores atribuíram nota AAA para os tais títulos (S&P, Moody's and Fitch).
São as mesmas empresas que deram Grau de Investimento para o Peru um mês antes de aumentarem a nota do Brasil!

É tudo muito sério mesmo...

(*1) No mundo real, o boteco do seu Biu são instituições de crédito imobiliário nos EUA. Os pinguços são pessoas sem crédito ou com histórico de inadimplência (alguns nem visto de permanência nos EUA tinham, ou seja, os chicanos ilegais da Flórida e Califórnia). As pingas são os imóveis. As cadernetas equivalem aos contratos de empréstimo. Tá bom, você pode dizer, pinga evapora... mas neste caso...

(*2) Os financiamentos imobiliários lá no norte da América têm taxas que variam entre 3 e 6,5 % ao ano, em média. Esses créditos "especiais" estavam sendo negociados a 12, 15, até 18%! Num país onde taxas de juros são sempre baixas, os financiamentos estão mais caros do que no Brasil, o país campeão de juros mundiais!

(*3) Segundo Joelmir Beting, todos os imóveis financiados nestas condições têm valor de mercado estimado em US$ 40 bilhões. Já os papéis que circularam mundo afora, ou seja, a riqueza gerada a partir desse lastro, é estimada em US$ 1,5 trilão!

(*4) Só para citar os credores do Lehman Brothers, a lista de instituições com bônus que foram para o brejo ou "dívidas não asseguradas" (não só lastreado nos títulos duvidosos, é claro) é assustadora: US$ 463 milhões com o AOZORA (Tóquio), Mizuho (Tóquio) US$ 289 milhões, Citibank US$ 275 milhões, US$ 250 milhões com o BNP Paribas (França), US$ 231 milhões do japonês Shinsei Bank, US$ 185 milhões do UFJ Bank Limited of Japan, $ 177 milhões do Sumitomo Mitsubishi Banking e por aí vai...

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